sábado, 13 de junho de 2009

ADÃO, EVA, A MAÇÃ E O DESEJO NA PSICANÁLISE

Quando a psicanálise se encontrava entregue a toda e qualquer divagação eis que surge a figura de Jacques Lacan. Então cursando medicina, mas se especializa em psiquiatria, defende sua tese: "Da psicose paranóica e suas relações com a personalidade", é nesse momento que rompe com os trabalhos psiquiátricos. Começa a fazer análise com Loewestein e tem seus primeiros contatos com a psicanálise de sua época é quando percebe a grande deturpação que a teoria freudiana havia sofrido nos últimos anos. Lacan propõe o retorno a Freud para evidenciar que o pai da psicanálise não aprovaria certas práticas clínicas da década de 50.

O conceito de desejo é pedra angular da teoria lacaniana, pois evidência um elemento nodal: a falta. Para Lacan, o ser humano é o ser da falta, portanto do desejo.

O desejo nasce nos primórdios da infância, quando na tenra idade o infans, ser egoncêntrico por natureza, acha que o mundo se resume a ele próprio e a mãe. O pequeno detém aquilo que falta à mãe, que na ilusão da criança, trata-se dele mesmo, ou seja, o que falta à mãe é a criança e já que ela o tem, não há mais nada faltando, sendo assim, para este também não existe vazio, a mãe lhe completa. Essa falsa completude finda com o aparecimento da figura paterna. O pai surge como um intruso para mostrar a criança que ele não é aquilo que falta a mãe. Sendo expulso da totalidade, o infans fica marcado pela falta.

O desejo funciona assim: "deseja-se o que não se tem". É necessário não possuir para desejar. A vontade de comprar um carro novo só eclode quando o produto não está sobre nosso poder. Daí o filósofo alemão Hegel tê-lo chamado de "vazio ávido de conteúdo".

No mito bíblico de Adão e Eva, temos um exemplar presente na tradição do conceito de desejo. Quando Deus fala para ambos não tocarem no fruto proibido, coloca um terceiro elemento. Antes, Deus estava para Adão e Eva, assim como Adão e Eva estavam para Deus, havia a totalidade, sem desejo, portanto. Sem ter o que desejar, o paraíso permanecia estável, previsível. A maçã representa a lacuna, o primeiro sintoma sentido pelos habitantes do paraíso fora uma falta, a nudez. A serpente, chamada de demônio, tentação, seria o inconsciente impulsionando-os para um objeto de desejo, algo que eles tinham, mas não poderiam tocar, não poderiam ter, uma árvore fálica que conteria a chave das algemas do todo. A liberdade, aconchapante, regida pela culpa deixa ambos diante de uma pergunta lacaniana: "O que deseja de mim o Outro(maiúsculo mesmo)?" Concumitante, a noção de pecado aqui, é substituta da palavra desejo. Adão e Eva aprendem a desejar, o ser significa "o não-ter". O objeto proibido, a maçã, criou um mal-estar, deslocou-os para o Édipo. Foram expulsos do ventre materno pelo anjo-pai, com sua espada fálica, mostrando quem era o real detentor do falo, o falo castrador para Adão; o objeto de desejo para Eva que o encontrará em seu futuro cônjuge.

Adão e Eva passaram o restante dos seus dias à procura daquilo que perderam, tentando reconquistar seu lugar diante do completo. O que para os católicos representa a queda e o declínio de nossa espécie como seres parciais sem a presença divina, para a psicanálise, anuncia o princípio. A modida dada no fruto proibido, de maneira semelhante, deixou-nos faltando um pedaço também. Só assim poderíamos desejar.