quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Muito além de um crime


Ninguém esquecerá 2008. Não por ter sido o ano do Pan ou qualquer glorificação esportiva. Não! 2008 será o ano em que vimos uma série de crimes cometidos entre familiares, sejam pais que matam filhos, filhos que matam pais, maridos que matam esposas..., gostaria que nos detivéssemos do primeiro caso: quando pais matam filhos, para usarmos como ensejo o recente episódio em que o padrasto matou a filha com o consentimento da mãe. Mais uma morte? Mais um crime hediondo? Mais um corpo para as estatísticas? Acho que não.

Existe, neste caso, algo singular com outros como o de Isabela Nardoni e o de Eloá: a presença da mídia. De uma hora para outra, pessoas simples são transformadas em popstars do crime. E, por incrível que pareça, as pessoas parecem mais motivadas a este tipos de atitudes. "O que levaria um padrasto a fazer isso a uma criança?", é a pergunta que muitos jornalistas se fazem, mas façamos outra: "o que leva um padrasto e uma mãe a convocarem a impressa televisiva para, em uma performance dramática, digna de um Oscar, diga-se de passagem, clamarem para 'quem souber do paradeiro, entrar em contato'"? Em uma sociedade que tornou sucesso sinônimo de felicidade, não seria crível ver pessoas que fariam de tudo para aparecer na tevê, ser capa de revista ou ter a foto estampada na manchete de um jornal. Talvez até matar? Tanto no caso em questão como no caso Eloá vemos essa visão cinematográfica do crime surgindo de modo inquisidor. Pessoas simples a procura dos seus quinze minutos do fama. Chegar em certa idade e perceber que o tal "sucesso" não aconteceu pode levar algumas pessoas a atos que muitos de nós julgaríamos como impossíveis para um ser humano. Talvez isso explique a frieza dos assassinos em relatar como fizeram o que fizeram, a ausência de sentimentos dá vazão ao dever cumprido: "Mamãe, eu tô na Globo!".

Num país que estrelas nascem de um dia para o outro, forçando-nos ao mal-estar do "não sou tão famoso quanto fulano" ou "fulano é feliz, porque é famoso" é admissível que se mate para alcançar o estrelato. Na psicanálise freudiana, o esquizofrênico sofre de mania de grandeza, ou seja, imagina que pessoas famosas ou poderosas queiram matá-lo. Hoje algo semelhante ocorre, lutamos contra as "estralas cadentes", que ameaçam nossas vidas com seu sucesso repentino e sua aparente felicidade, a ponto de levar pessoas humildes e honestas a matar para não só destruir simbolicamente esses "deuses midiáticos", mas também para superá-los e tornarem-se tão grandes quanto eles.

Geralmente, falando a meus alunos de pré-vestibular, tento mostrar a diferença entre se sentir uma pessoa realizada e ter sucesso. Para isso, costumo dizer-lhes o seguinte: "Estou aqui dando aula para vocês, estou cansado, porque dormi mal preocupado com o conteúdo de hoje, passei a noite revisando mentalmente minha aula. Tenho que estudar, pois estou preparando um artigo sobre déficit de aprendizagem para apresentar em um congresso e não sei se conseguirei terminar, não tenho muito tempo para ler. Minha família pede minha atenção e estou sempre ocupado; minha namorada pede minha atenção e também estou ocupado. Não tenho tempo para lazer, o pouco tempo que disponho gosto de estudar para ministrar aulas melhores. E sabe por que eu escolhi ser professor? Porque '"estou aqui dando aula para vocês, estou cansado, porque dormi mal preocupado...'". Ser feliz ou ter sucesso vai muito além de aparecer na televisão, mas sim quando você mede prós e contras de suas escolhas e percebe que pode conviver com elas.

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