domingo, 10 de maio de 2009

A 1ª PESSOA NA CARTA ARGUMENTATIVA: O NÃO-EU

Quando a UFPE e a UFRPE optaram por trabalhar com mais um gênero em suas redações foi comemorado como nunca pelos feras que já estavam cansados da dissertação, pois esse novo modelo possibilita o uso da 1ª pessoa do singular (para alguns, a chance de dizer finalmente! "Eu penso", "Na minha opinião", "Eu acho").

Alguns professores levados pela enforia dos seus alunos teceram rios de elogios sobre a carta argumentativa, mostrando como escrevê-la seria muito simples e, em tom profético, anunciaram que aqueles que nunca conseguiram produzir duas linhas de qualquer texto conseguiriam, finalmente, escrever uma redação com chances a passar em 1º lugar! Optamos pela precaução, antes de empunhar a bandeira da falsa liberdade (em prol do lucro dos que acreditam nessas promessas).

Vamos, primeiramente, pensar sobre o que é a carta argumentativa. Esse gênero, para os vestibulares, significa a usar a primeira pessoa do singular (EU), já que é dirigida a alguém que está anunciada no vocativo (Senhor Fulano de Tal, Vossa Excelência Presidente da República, Vossa Majestade Rainha Elizabeth...), mas eis que é exatamente aí que começam os questionamentos. Sendo o vocativo alguém que o fera não conhece isso implica, invariavelmente, que o "EU" é um "não-eu", ou seja, o fera que se anuncia através do EU é um falso fera, pois ele nunca conversou com o Presidente da República, com a Rainha Elizabeth, com um terrorista... Logo, quando o fera se dirige a essas pessoas ele finge, imagina, inventa, que está num diálogo com essas pessoas. O candidato passa-se por uma personagem.

A palavra personagem é de origem latina, persona que quer dizer máscara. Na grécia antiga, os atores usavam máscaras para representar suas personagens, daí a personagem ser alguém que finge ser um outro. No francês, personnne, significa ninguém. Portanto, aquele que escreve a carta argumentativa é um personagem, não o fera em si. Para deixar claro o que estamos falando, vamos analisar a proposta de 2008 que estreiou a carta argumentativa em nossos vestibulares:

"Imagine que você assistiu a uma conferência em que um cientista defendeu a idéia de que o ser humano, ao longo do tempo, tem evoluído em muitos aspectos. Agora, elabore uma carta formal, dirigida a esse cientista, na qual você manifeste sua opinião acerca do presente tema, argumentando a favor das idéias defendidas ou contra elas."

Façamos uma simples pergunta: quais dos alunos que faziam a prova de redação naquele dia assitiram realmente à conferência? Resposta: NENHUM! Logo, eles estavam assumindo uma personagem, vestindo sua máscara.

O que nos leva a uma conclusão estranha e contraditória em relação ao festejar do início do texto. A dissertação, escrita na 3ª pessoa do singular ou plural, acaba sendo mais pessoal do que a carta, pois na dissertação todas as palavras são do fera (claro que sem a presença do pronome EU), enquanto a carta argumentativa trabalha com um EU falsificado, pois trata-se de uma personagem.

Como argumento final gostaríamos apenas de dizer que a carta é um gênero bastante interessante e que deve ser trabalhando pelos candidatos que prestarão o vestibular de 2010 para a UFPE (tendo em vista que a UFRPE aderiu ao ENEM e, por enquanto, não há carta argumentativa neste), mas toda a precaução é bem vinda para não caírmos em falsas promessas e explicações superficiais que nos levam para a beira do abismo, em vez de conduzimo-nos as portas do céu!

OBS.: Aqueles que estranharam o uso do artigo "a" antes da palavra personagem, fiquem cientes de que no Dicionário Aurélio ela é classificada como substantivo feminino.

Obrigado pela leitura!

DÚVIDAS: l.antonion@gmail.com