segunda-feira, 12 de abril de 2010

AS NOVELAS BRASILEIRAS NÃO SÃO O PROBLEMA

Não basta apenas dizer que as novelas influenciam as pessoas. Dizer que o telespectador segue as tendências da moda que ela gera ou modismo lingüísticos como "é a treva", "estou rosa chiclete", dentre outros que devo desconhecer por não lhes assistir. Isso é pouco, é insuficiente, facilmente desmentido e de pouca relevância. Teorizar sobre as telenovelas no Brasil é falar, na verdade, de como elas falsificam a realidade? O ditado imortalizado pelo propagandista nazista Joseph Goebbels: "Uma mentira contada mil vezes torna-se verdade". Desconheço quantas novelas foram produzidas (estaríamos na milésima?), mas acredito que hoje o que vemos é uma verdade-mentira.

Sabemos como ninguém, que nenhum brasileiro anda de calça jeans nos momentos de lazer em nossas moradas; que nenhuma mulher já acorda com cabelos escovados e maquiada ao cantar do galo; que nordestino (porque o sou e posso garantir) não falam daquela forma caricata; que negros não ocupam papéis subalternos; que o "pobre não leva a vida com humor apesar das dificuldades"; que nossas caras-metade não possuem pele clara e cabelos loiros ou semi; e que se são negras, não são casadas com homens sarados, brancos, com barba mau-feita-bem-feita (já que está sempre no tamanho ideial), o mais engraçado é que sabemos disso. Se se pergunte a alguém andando no meio da rua se as novelas transmitem 100% a realidade nacional, salvo alguns psicóticos, os demais responderão que 100% é exagero.

Logo, fica a pergunta, por que assistismos? Para tentar responder, vou contar uma experiência recente minha, com meus alunos: estava corrigindo um bolo de redações que tinham como tema a televisão. Todas as redações, todas, criticavam a televisão em um desses aspectos que citei, mas meus alunos continuam a assistir. Estranho? Não! Da mesma forma que vou ao cinema assistir aos filmes sabendo que é mentira, meus alunos chegam as suas casas após o colégio e ligam a tevê, a caixa mágica que como disse uma charge de Calvin que li recentemente em uma gramática minha: "a caixa mágica que lança milhões de imagens em um fluxo tão rápido que me impedem de pensar". E quem quer pensar hoje?

O brasileiro acordou as 5 da manhã, chegou as 8 horas da noite a sua casa, ceia e... vai sentar para ler O banquete de Platão? Desculpem, mesmo você, leitor deste blogger, sabe que isso não irá acontecer. Por isso digo-lhes a contra-gosto de alguns, que as novelas no Brasil são ótimas e que cumprem o seu papel de criar uma série de histórias para que os telespectadores não pensam, descansem a mente.

Surpresos? Nem tanto! Num mundo capitalista, só há duas coisas a se fazer, ter dinheiro para gastá-lo. É simples. Só isso. Passamos a vida vendendo nossa mão-de-obra, para no final do mês termos alguns pedaços de papel que simbolocamente dizem valerem algo, para trocarmos por tudo. Sim, TUDO! Comida, saúde, lazer, sexo... Capitalismo é só isso. Os empresários e políticos quebram a cabeça para fazer com que o fluxo de papéis pintados de dinheiro continue a existir; elaborar mais formas de como gastá-los é obrigação dos nossos representantes políticos e empresários a lá Roberto Justus. Quem vive nessa roda-viva, recebe papel, gasta o papel. Se o trabalhador não trabalha, ele precisa estar comprando, pois se não compra, não pode trabalhar.

Por isso, chegamos a estranha pergunta que deve ser aquela feita por todos os empresários à noite quando estão transando com seus cônjuges: "Se o trabalhador vai para casa no final do expediente, ele não está trabalhando, certo? Não está consumindo também, porque cansado foi para o lar doce lar, descansar, certo? Se ele descansar, não compra, certo? O que fazer então? Simples vamos mostrar-lhe o que comprar, dar-lhe opções para gastar os pedaços de papel que ganhará no final do mês! Euréca! É isso! Fómula mágica! Todos felizes!"

Repito, no sistema capitalista só existe venda e compra. Se desejamos manté-lo, precisamos sentar a frente da televisão, implorando, "minta para mim, não permita que eu veja a realidade". Lembre-se de duas passagens emblemáticas do filme MATRIX. Na primeira, Morpheus diz a Neo que não pode simplesmente desconectar todos da Matrix devido a uma rejeição da mente. "Ela não suporta a realidade", diz ele. Na segunda, o Agente Smith, diz a Morpheus capturado, que a primeira Matrix foi projetada para ser o mundo perfeito de cada ser humano, mas que isso não deu certo, foi caótico, segundo ele. É assim que vivemos, presos na nossa Matrix, precisamos que nos iludam. Precisamos das mentiras das telenovelas, pois precisamos manter o sistema capitalista funcionando.

Por que precisamos manté-lo funcionando, você me pergunta caro internalta? Porque o sistema capitalista é a essência humana. Ele é nossa imagem e semelhança. Através dele satisfazemos nossos impulsos, colocamos nossos desejos para fora. Ou você vai negar que não se imaginou em nenhum momento, numa mansão luxuosa, repleta de empregados dando-lhe do bom e do melhor e que no final de sua existência quando seu corpo parar, encontrar com Deus que vai dizer: "Você foi uma boa pessoa, pode entrar!", admitamos seria perfeito, não?

Por que vocês acham que os concursos públicos estão em alta? Por que muitos escolhem as carreiras militares e os cursos universitários das áreas de exastas e saúde? Por quê? O porquê é disso que precisamos, está explícito no próprio funcionar das telenovelas. São meios de gerar dinheiro sem pensar muito. Sem tentar resolver os problemas reais, concretos. Para pensarmos num mundo sem novelas, sem loiras siliconadas, sem mulheres esqueleto, sem homens sarados, sem músculos no lugar de cérebro, sem pobre feliz..., devemos pensar num mundo sem capitalismo. O sistema existe por que o queremos. Como disse o garotinho careca, em outra passagem do filme Matrix para Neo: "A colher não existe".

Este texto foi requerido pelo visitante Lúcio. Obrigado!

Um comentário:

Unknown disse...

Obrigado. Ótimo texto.